Ana Flávia Baldisserotto
A visão das construções de prédios, condomínios e casas é parte constante do cotidiano de Lorena Steiner. Seja pela janela de sua residência ou nos percursos do dia a dia, a artista observa o crescimento de sua cidade com uma atenção peculiar.
Lorena mora em Canoas, cidade de porte médio que faz parte da região metropolitana da capital do estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre situada no extremo sul do Brasil. Ali, como em muitas cidades em situação semelhante, o esgotamento da capacidade habitacional da capital gera uma demanda constante por novas moradias. Este crescimento acelerado se faz visível nos novos empreendimentos imobiliários que surgem a todo o momento,
modificando rapidamente a paisagem urbana.
Enquanto nos canteiros de obras os caminhões transportam as terras retiradas das escavações e preparam o terreno para a obra, ela também participa de modo ativo e sutil, deste processo de transformação:
“(…) Faço a minha parte, do meu jeito: escolho e coleto as terras que se revelam nestes buracos, gosto de descobrir os seus mais variados tons. Faço experiências com esse material. Meu atelier é um laboratório: fervo as terras, as coo, deixo secar e seleciono apenas o pó, descartando outros resíduos. Esta pesquisa me proporcionou uma paleta de cores única, de mais de 15 tons.(…)”
Lorena encontra nos canteiros de obra a oportunidade de apreciar uma beleza, geralmente, invisível: aquela que está logo abaixo de nossos pés, composta pelos extratos de terra que compõe a epiderme deste planeta rochoso sobre o qual habitamos. As terras de Canoas são a matéria prima e dão o tom de todas as tintas que ela usa na feitura de suas pinturas, mosaicos, monotipias, bem como no revestimento de simulacros de tijolos que se tornarão matérias primas para objetos, acumulações, empilhamentos e flutuações que se materializam como instalações plenas de vazios.
“(…) Busquei em uma fábrica de gaiolas o recurso da solda no arame galvanizado para realizar a estrutura do tijolo. Este auxílio não só resolveu a minha questão técnica como também me fez pensar: O que leva à fabricação de uma gaiola? (…)”
O trabalho de Lorena obedece a um ritmo constante, quase obsessivo. É nesta rotina diária de atelier que vai cruzando campos de matéria e pensamento, elaborando indagações e metáforas visuais que vão do humor visível de alguns de seus objetos, ao silêncio sóbrio das simetrias construtivas e monocromáticas. Muito da matéria prima com que ela trabalha é encontrada em suas próprias reminiscências:
“(…) Cresci, vendo o meu pai envolvido na aquisição de muitos tijolos. Ele era construtor. (…) Em alguns momentos me propus a viver a situação de um oleiro, profissional que trabalha na feitura do tijolo. Queria encontrar a mesma trilha, o mesmo rastro e a mesma emoção de tantos trabalhadores que executam as inúmeras funções envolvidas no mundo da construção, desde a sua unidade mais simples. Pensei em todo o trabalho envolvido nas construções concluídas, em andamento, ou ainda naqueles que sonham em um dia poder construir. (…)”
Não é por coincidência que suas experiências artísticas envolvem tão diretamente o tijolo e as cores naturais de terras retiradas justamente de canteiros de obras. Em seu percurso artístico, Lorena busca, acima de tudo, o encontro com a beleza simples de um dos gestos mais básicos, em uma trama que acaba por entrelaçar tempos e lugares. No campo da poética, construir e sonhar são movimentos coincidentes e complementares, efeitos de uma mesma matéria… e o trabalho de Lorena Steiner é a prova dessa engrenagem viva e palpitante.